E a denúncia de desvios na Secretaria de Saúde de Contagem?
Com exclusividade, o Jornal Viva Voz teve acesso ao inquérito.
Em março de 2018, após operação da Polícia Civil no centro de distribuição de medicamentos da Secretaria Municipal de Saúde de Contagem, uma série de mudanças na secretaria e também no próprio setor investigado teve início. A mais significativa delas foi a exoneração do então secretário de Saúde, Bruno Diniz, pouco tempo após a operação. Quase todos os integrantes do setor foram transferidos ou exonerados, posteriormente. O caso foi abafado, mas prosseguiu como inquérito na Divisão Especializada em Investigação de Fraudes (DEIF). Com exclusividade, o Jornal Viva Voz teve acesso ao inquérito.
A operação aconteceu no dia 9 de março de 2018. Uma equipe da Divisão Especializada em Investigação de Fraudes (DEIF), da Polícia Civil, foi até a Central de Abastecimento Farmacêutico (CAF) da Prefeitura de Contagem apurar a denúncia que recebera anonimamente: produtos e materiais cirúrgicos estavam sendo adquiridos de forma irregular, dispensando critérios e protocolos próprios. Ainda segundo a denúncia, as mercadorias eram fornecidas por uma empresa que não estava oficialmente contratada pela Prefeitura de Contagem. Para agravar ainda mais: os produtos supostamente eram entregues em notas superfaturadas, e a diferença entre os valores seria repartida entre o empresário dono da empresa fornecedora e o, então secretário municipal de Saúde, Bruno Diniz Pinto.
No registro do Boletim de Ocorrência, consta que os policiais chegaram ao local por volta das 14h. O horário do início da operação é um dado importante. No galpão de distribuição, os policiais encontraram um caminhão da empresa Conceito Comércio de Artigos de Uso Comercial, descarregando os insumos. Perguntado sobre a nota fiscal, o motorista do caminhão não soube informar. Interpelado sobre a gravidade de tal ausência, o motorista informou que a empresa apenas lhe repassara os romaneios — uma espécie de lista da carga transportada. Uma das primeiras denúncias estava se confirmando.
Os policiais também procuraram por gazes da marca Real Minas, que, ainda segundo a denúncia, eram falsificadas ou apresentavam qualidade inferior. Foram encontradas dez caixas do insumo em questão. As caixas foram apreendidas pelos policiais, bem como o caminhão.
Com a equipe ainda no depósito, um dos donos da empresa apareceu com as notas fiscais dos produtos. As notas fiscais, os romaneios e os itens apreendidos constam no Boletim de Ocorrência (B.O.). Segundo seu próprio registro, o B.O. foi encerrado às 18h42.
As mudanças na Secretaria Municipal de Saúde aconteceram pouco tempo depois. Começaram pelo afastamento de Bruno Diniz da condição de secretário municipal. No Diário Oficial de Contagem (DOC) do dia 15 de maio, Bruno foi exonerado do cargo de secretário de Saúde. Paralelamente, começavam os depoimentos na Polícia Civil.
Em depoimento, motorista e dono da empresa se contradizem
Nos depoimentos que constam no inquérito, há contradições significativas entre versões. A principal contradição é entre a versão dada pelo motorista da empresa com a do seu patrão, o dono da Conceito.
Em depoimento à Divisão Especializada em Investigação de Fraudes (DEIF), o motorista Augusto Alves Paulino, disse que
“é de costume entregar as mercadorias da Conceito apenas com os romaneios de entrega”. Isso acontece porque, conforme consta no depoimento, “os funcionários responsáveis pela apresentação das notas fiscais estarem ocupados com algum outro serviço”. Ainda segundo o motorista, “geralmente a nota fiscal da mercadoria é enviada pelo e-mail”.
A “rotina” relatada pelo motorista contradiz o depoimento de Emerson Oliveira Abade, um dos sócios da empresa. Segundo o empresário, o “padrão da empresa é realizar entregas já com as notas fiscais”. Que o episódio em questão fora “um caso a parte por causa da emergência da entrega dos produtos”.
No depoimento prestado pelos servidores da prefeitura (Superintendente Administrativo, Diretor de Logística e Diretor-Geral) a responsabilidade pela conferência das notas foi totalmente atribuída aos funcionários da UNIHEALTH — empresa logística contratada exclusivamente para esse tipo de gestão.
Segundo depoimento dos servidores, “Altamiro” seria o funcionário da UNIHEALTH “responsável pela fiscalização direta do recebimento das mercadorias”. No inquérito, porém, não consta nenhum depoimento dado pelo servidor da empresa. Também não consta no inquérito cópia do depoimento do ex-secretário municipal de Saúde, Bruno Diniz — sobre quem recaiu grave acusação.
Notas foram emitidas após a chegada da equipe da Polícia Civil
No inquérito sobre possíveis desvios na Secretaria de Saúde, constam seis notas fiscais: cinco emitidas pela Conceito para a Prefeitura de Contagem e uma emitida pela Real Minas, para a empresa Conceito, quando da compra das gazes.
Levantamento feito pela equipe do Jornal Viva Voz aponta que as cinco notas para a prefeitura foram emitidas cerca de 40 minutos após a chegada da equipe da DEIF, que, segundo consta no Boletim de Ocorrência e no próprio inquérito, aconteceu por volta das 14h.
A conferência pode ser feita no Portal da Nota Fiscal Eletrônica, (serviço vinculado ao Governo Federal.
Uma nota, para compra de ataduras, foi emitida em horário ainda mais avançado, às 15h47. (Número para conferência no site: 3118 0308 5836 2900 0113 5500 1000 0054 7710 0005 4776). O valor total dessa nota é de R$ 2.387,40.
A nota de maior valor, no total de R$ 28.512,46, também foi emitida com quase duas horas de operação da Polícia Civil em curso, às 15h55. Entre os itens comprados constam agulhas, campos operatórios, fraudas geriátricas, escova para degermação, papel higiênico, entre outros. (Número para conferência no site: 3118 0308 5836 2900 0113 5500 1000 0054 7910 0005 4797).
Sem um motivo aparente ou justificativa que conste no inquérito, duas notas foram canceladas pouco depois de terem sido emitidas.
Em uma segunda nota também para compra de ataduras, a hora da sua emissão marca 14h50. (Número para conferência no site: 3118 0308 5836 2900 0113 5500 1000 0054 7410 0005 4740). O valor total dessa nota é de R$ 2.368,08. O site aponta, porém, que ela foi cancelada às 15h47.
Em outra nota, cuja descriminação de produtos comprados consta “coletor”, “frauda geriátrica” e “lençol hospitalar”, foi emitida às 14h55. (Número para conferência no site: 3118 0308 5836 2900 0113 5500 1000 0054 7510 0005 4755). O valor total dessa nota é de R$ 3.602,00. Essa, ainda segundo conferência no site, foi cancelada às 15h44.
Mesmo com contradições, inquérito foi arquivado
Mesmo com as contradições entre os depoimentos, o cancelamento posterior e sem justificativa apontada de duas das quatro notas emitidas pela empresa, o processo foi arquivado. No relatório, a equipe alegou não ter ficado claro se as notas são emitidas ao encaminhar mercadorias para prefeituras de outros municípios, o que poderia caracterizar “Crime contra a Administração Pública”.
A equipe conclui que a possível entrega dos produtos sem a nota fiscal “foi uma forma de atender uma demanda da Prefeitura de Contagem, porque minutos após nossa presença, o sócio proprietário da Conceito compareceu no local, já em posse de todas as notas fiscais”.
Não consta, porém, nenhuma fundamentação da urgência que à época justificou a entrega da mercadoria sem a presença das notas.
Existe outro ponto confuso no inquérito. Entre os documentos que o integram aparece a requisição, feita pelo advogado da empresa, de extensão do prazo para a apresentação das notas fiscais emitidas pela Conceito nos últimos 5 anos. Segundo a defesa, por se tratarem de “documentos físicos” e a empresa ter trocado de contabilidade, eles estavam tendo “dificuldades para cópia dos respectivos documentos”.
No inquérito consta o pedido do advogado, mas não consta a formalização da referida requisição por parte da Polícia Civil. Também não constam as notas fiscais solicitadas.
Por fim, o Despacho Final que consta no inquérito, datado do dia 12 de julho de 2018, pedindo pelo arquivamento do inquérito, não tem a assinatura do delegado Rodolpho Tadeu Machado, responsável pelo caso.
Pedidos de desarquivamento e providências
O Movimento Libertas Minas teve acesso ao inquérito onde foram relatados os fatos noticiados pelo Jornal Viva Voz e encaminhou um pedido de continuidade do inquérito à Divisão Especializada em Investigação de Fraudes (DEIF), da Polícia Civil. Além disso, outros cinco órgãos (Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, Polícia Federal, Procuradoria de Justiça, Gaeco, e Promotoria criminal de Contagem) foram oficiados para acompanhar as investigações e para apurar eventuais irregularidades sob os aspectos cíveis, criminais e administrativos. Nos ofícios, o Movimento Libertas Minas apresenta fatos novos e justifica a necessidade de prosseguimento da investigação, argumentando que, por não estar assinado, o despacho do delegado Rodolpho Tadeu Machado é inexistente no mundo jurídico.
O advogado e coordenador jurídico do Libertas, Leandro Amaral Costa, publicou nas redes sociais do Movimento um vídeo onde explica as providências adotadas:
O outro lado: o contraditório
Entramos em contato com a assessoria de comunicação da Prefeitura de Contagem, da empresa Conceito e com o ex-secretário Bruno Diniz.
Perguntamos tanto a Prefeitura de Contagem, quanto a Conceito, se havia vinculo formal entre elas quando da operação. Em nota, a Conceito, disse que a empresa “sempre que realizou qualquer entrega para qualquer Órgão Público, o fez, no bojo de Contrato Administrativo válido e regular, firmado após se sagrar vencedora do procedimento licitatório e somente após ter recebido a respectiva Nota de Empenho e/ou Ordem de Compra”.
Também solicitamos a empresa publicações oficiais da Prefeitura de Contagem, que registrem a Conceito como vencedora de licitação vigente na data da operação. Não nos foi enviado.
Sobre a emissão das notas, a empresa respondeu que “Por uma questão lógica, a Conceitos será sempre a primeira a ter interesse na emissão da Nota Fiscal de Fornecimento, pois é notório que qualquer Órgão Público, para realizar o pagamento do fornecimento, somente o fará mediante emissão do documento fiscal, entrega e após o efetivo recebimento jurídico das mercadorias, conforme Nota de Empenho ou Ordem de Compra e normas jurídicas aplicáveis”.
Ainda segundo a empresa, “beira o absurdo a alegação de que a empresa Conceitos fornecia sem ter Contrato com a Prefeitura de Contagem ou que suas Notas eram Superfaturadas, caso isto, tivesse, de fato ocorrido, o inquérito Policial com certeza não teria sido arquivado, como o foi”.
Sobre o cancelamento das notas posteriormente as suas emissões, não se pronunciou.
Já o ex-secretário de Saúde de Contagem, Bruno Diniz, reiterou que se desligou da “Secretaria de Saúde de Contagem em maio de 2018 por decisão própria para dedicação a mestrado profissional e início da construção de novos projetos pessoais e de família. Em relação a todos os fatos narrados pelo Site Viva Voz das denúncias, após investigação policial, o inquérito foi arquivado após os devidos esclarecimentos. Agradeço ao Site Viva Voz e desejo sucesso na caminhada”.
Contatada, a atual gestão da Prefeitura de Contagem não quis se manifestar.
Para ler a integra do inquérito, clique aqui.
Por Redação Jornal Viva Voz